quarta-feira, 31 de outubro de 2007

A EXTINÇÃO DOS ESQUERDOSSAUROS

Alan Oliveira Machado

“A pobreza da experiência não é expressão de uma carência, mas antes a expressão de uma arrogância, a arrogância de não se querer ver e muito menos valorizar a experiência que nos cerca, apenas porque está fora da razão com que a podemos identificar e valorizar.” (Boaventura Sousa Santos, 2006)


Não se trata necessariamente de voltar à esquerda. Voltar à esquerda, simplesmente, pode nos levar a entender que os métodos da esquerda sempre foram os melhores e sempre serão e que o retorno seria uma espécie de exorcismo para expulsar demônios capitalistas do corpo, o que não é verdadeiro. É preciso que se retorne à origem, não para ser autêntico ou puro, não para reproduzir a monocultura do saber, mas para se reposicionar na atualidade, de forma crítica e coerente, dentro de um campo de pensamento e prática de esquerda que se constrói cotidianamente na leitura e releitura das práticas e demandas que a contemporaneidade produz, sem necessitar de repetir fórmulas e práticas que já não se ajustam à realidade das lutas.

Sabemos que não é nada fácil se localizar dentro da esquerda sem cair numa lógica que está na base de todo o pensamento ocidental moderno, qual seja a mania de linearizar o tempo e a história e dicotomizar as relações. Esse vício mental funciona como uma rede que só captura o que é compatível com sua trama. É como se fôssemos pescadores que utilizassem uma rede de buracos muito grandes de forma que só conseguíssemos pescar tubarões, levando-nos a crer que no mar só existem tubarões, apagando, portanto, toda a diversidade. Assim funciona essa maneira de entender a realidade, como diria o sociólogo português Boaventura Sousa Santos, a reboque de uma razão metonímica, ou seja, que reduz o todo à parte, que reduz a realidade tão somente ao que conseguimos prender em nossa razão.

Em sua complexidade, historicamente, esquerda e direita são campos de interesses não muito bem demarcados, porque, erroneamente, demarcamos esses espaços por meio de estereótipos (há algo mais superficial?). No dia a dia, pessoas que se situam na esquerda desenvolvem novas práticas revolucionárias, fora da lógica linear e maniqueísta da esquerda e isso irrita e gera ódio, sobretudo nos esquerdossauros, naqueles que seguem apenas os estereótipos (aqui, esquerdossauro não é uma questão de idade, mas de mentalidade). Ou o militante se enquadra no perfil imaginário estereotipado, ou é rechaçado. Como se a vida e a realidade social tivessem dois lados fixos, um lá e outro cá e as pessoas se não estão cá inquestionavelmente estão lá. Nos anos sessenta muitos esquerdistas criativos foram tachados de reacionários e pelegos, em nome dessa compreensão redutora e equivocada, no que diz respeito ao que deveria ser o comportamento do esquerdista.

O que esses esquerdossauros não entendem é que o que se faz e se diz tem contexto e é preciso entender esse contexto antes de mobilizar a rede redutora, se é que precisamos de rede redutora. Como entender o movimento da realidade se recusando a enfrentá-la no seu movimento complexo? Os critérios superficiais para se decidir se alguém ou algum movimento é de esquerda ou direita são ridículos, não se sustentam na dinâmica da realidade, levando os esquerdossauros, feito evangélicos, a se fecharem em um mundinho esquizofrênico e paupérrimo em quase todos os sentidos. Enfim, para combater a falsa esquerda, meus camaradas, não é preciso virar um fóssil vagando cegamente na tempestade cotidiana ou um membro de grupelho encolhido sob o guarda-chuva da mediocridade. HÁ BRAÇOS! (5-10-07)

LEITURA VIRTUAL: O QUE É ISSO?

Luciano Rodrigues Lima (Doutor em Literatura, PTrofessor titular da UNEB, Professor adjunto da UFBa)

Chama-se leitura virtual a leitura do texto na tela do computador (PC, lap top ou palm top), ou do texto projetado por um data show, projetor de cinema, tela de televisão ou mesmo um simples retro-projetor. O significado da palavra virtual é controverso (Gilles Deleuze, um pensador francês, alerta que o virtual não é o irreal, mas algo como o devir do real, uma espécie de futuridade do real), mas podemos falar de algumas de suas características: é algo que se revela como uma imagem do real, mas não possui uma corporeidade permanente; projeta-se como imagem e som perceptíveis, mas é resultado de um processo de codificação eletrônica e não do movimento de corpos reais (a música gravada é virtual, a voz ao celular, também, assim como o próprio texto impresso possui algumas características virtuais, pois representa as palavras que não estão sendo pronunciadas por nenhum aparelho fonador de verdade).

A imagem virtual necessita de um componente cultural para a sua percepção e compreensão. Muitos animais não reagem à comunicação virtual pois não são capazes de compreender a cultura e o significado das invenções humanas (embora possuam sua própria cultura), enquanto outros, como os macacos e, às vezes, gatos, percebem e reagem diante das imagens virtuais, numa surpreendente capacidade de adaptação cultural.

Voltemos, contudo, ao texto verbal virtual. A internet, o texto online, é, sem dúvida, o maior acervo de textos verbais para leitura virtual, cabendo citar, também, as edições eletrônicas de obras e textos de qualquer natureza, em CD-ROM, pen-drive, MP3, MP4, etc. A leitura desses textos se dá sempre em tela, mas essa concepção de leitura é avançada e o texto verbal pode ser associado a outros recursos midiáticos, como som, imagem em movimento, efeitos especiais de diversos tipos.

Se me perguntam se o texto virtual substituirá o livro, no futuro, respondo que não sei. O futuro da tecnologia virtual é imprevisível. Mas penso que o texto virtual possui vantagens em relação ao texto impresso. O texto virtual é mais ecológico pois não necessita de papel, material atualmente feito de celulose vegetal. Também não ocupa quase nenhum espaço, algo tão importante nas reduzidas moradias das cidades grandes. Mas a maior vantagem do texto virtual é a sua praticidade, explicada através de aspectos como a atualidade, a velocidade e a acessibilidade. O texto virtual é sempre atualizável, como os dicionários, glossários e edições de obras online. As edições eletrônicas de jornais e revistas são atualíssimas. Mesmo os textos pessoais são mais rápidos, bastando comparar a carta tradicional e o e-mail. O acesso ao conteúdo dos textos virtuais (corpora para pesquisas, edições eletrônicas de obras completas, referências bibliográficas e referências terminológicas) é sempre mais rápido. Se estou lendo, por exemplo, a obra completa de Freud em edição eletrônica e desejo pesquisar o tema “inconsciente”, a edição me dará a indicação de todas as páginas, livros e artigos em que o termo aparece. Além disso, o texto em tela é digitalizado e pode ser copiado, reformatado, enviado para qualquer outro computador em qualquer parte, transposto para outros meios eletrônicos e, caso o usuário ainda possua apego às coisas matérias em si, como aqueles leitores fetichistas que adoram cheirar os livros, o texto virtual pode ser impresso.

Penso que o Brasil, principalmente o MEC, os órgãos que lidam com cultura e ciência, as universidades, as editoras e mesmo aqueles que comercializam qualquer tipo de texto escrito, ainda precisam discutir uma política para disseminação do texto virtual. Sabe-se que existe, atualmente, mais leitura virtual do que leitura de texto impresso e mais lan-houses do que bibliotecas, mais e-mails do que cartas. E penso, ainda que existe mais escrita virtual do que escrita em papel. A escrita virtual é atraente, pois é assistida por revisores ortográficos, não existe partição silábicas, alerta-se contra repetição de palavras, pode-se corrigir infinitamente e já existem revisores gramaticais que auxiliam e alertam quanto às concordâncias verbal e nominal. Sem contar que se pode pegar qualquer informação online sobre nomes próprios, fatos históricos, obras, etc, para se utilizar na própria escrita.

De volta à questão das políticas públicas, parece existir, ainda, principalmente nas universidades, um forte preconceito contra o texto virtual, principalmente o texto através da internet. Para muitos países, como o Reino Unido, a Austrália, os Estados Unidos e o Canadá, a internet já é o espaço em que toda a cultura acumulada (todos os textos clássicos de todas as áreas do conhecimento) está disponível gratuitamente em língua inglesa. É como se fosse a grande biblioteca de Babel, como a concebeu o escritor argentino Jorge Luis Borges. Enquanto esses países disponibilizam seus textos em suas línguas, o que angaria prestígio para suas respectivas línguas e culturas, no Brasil ninguém disponibiliza nada. Faltam iniciativas e sobra desconfiança.
Se se quiser cobrar pelos textos, existem mecanismos como as livrarias virtuais, a exemplo do Questia, um portal onde se paga via cartão de crédito e se tem acesso a milhares de livros novos. Ou, buscam-se patrocinadores para os sites de leitura virtual. A pirataria eletrônica pode quebrar essa resistência ao texto virtual e tornar digital e gratuito o texto daqueles autores mais resistentes ao meio virtual. Assim, não querendo perder um pouco eles acabarão perdendo tudo. O texto virtual, no meu entendimento, democratiza a leitura.

Imprevisível, o futuro do texto virtual e do texto escrito (discussão já antecipada em Apocalípticos e integrados, de Umberto Eco, mas também preocupação de pensadores baianos como Antônio Risério, em Ensaio Sobre o Texto Poético em Contexto Digital) interessa a todos os leitores. Encerro este breve texto (virtual) com uma frase do pensador Jean-François Lyotard, para reflexão: “...no futuro, tudo que não couber em tela de computador será descartado”.

A TERCEIRA CEGUEIRA

REFLEXOES SOBRE A RELACAO LETRAMENTO E CULTURA ORAL


Cosme Batista dos Santos[1]



Este texto que dou o titulo de a terceira cegueira[2] é parte de uma seqüência de textos curtos que venho produzindo sobre determinados conceitos e orientações teóricas de pesquisa sobre o letramento e que, por diversas influências, têm sido utilizados na construção da paisagem conceitual de trabalhos sobre o letramento ou de estudos das praticas sociais mediadas escrita. Como já foi dito, este texto, particularmente, discute uma primeira cegueira que caracteriza a cultua escrita na sua relação com as outras modalidades culturalmente situadas de significação. Acrescenta uma segunda cegueira que, historicamente e geograficamente, impede o trânsito entre a cultura oral e a cultura letrada, assim como entre os seus sujeitos e praticas. Trata ainda de uma terceira cegueira que, nos nossos dias, parece surgir como produto de certas leituras situadas na fronteira ou na interface entre tais culturas.

A primeira cegueira é atribuída, basicamente, à ciência moderna e à cultura escrita, essa última, por ser o canal por excelência dos bens culturais e científicos dos segmentos dominantes da sociedade. A cultura letrada não viu, nem produziu os instrumentos que permitissem o acesso ao conhecimento prático, à cultura oral, às maneiras de fazer e de dizer dos subalternos, dos camponeses e dos operários. Não há na cultura escrita dominante, o espelhamento das ações periféricas dos homens simples, da sua cognição, das suas manifestações culturais e sociais, das suas lutas e dos seus testemunhos históricos.

A segunda cegueira é atribuída, basicamente, ao senso comum e à cultura oral, essa última, por ser o canal diverso de produção de sentido e de circulação dos saberes culturalmente e tradicionalmente produzidos nas/pelas diferentes tribos e comunidades do mundo. A cultura oral ou, em outros termos, os grupos que não possuem o poder da leitura e da escrita, são historicamente excluídos do acesso aos sentidos, saberes e ações que a cultura letrada permite acessar, por exemplo, como o faz as minorias dominantes que possuem a letra. A falta do acesso aos bens simbólicos da cultura letrada de elite não permite com que os subalternos, os ditos pouco letrados, acessem o trabalho em condições mais especializadas e os conhecimentos e códigos letrados úteis á sua sobrevivência, como por exemplo, a capacidade de transitar em outras culturas e novas realidades históricas, geográficas e lingüísticas, por exemplo. A segunda cegueira, nesse sentido, se configura pela ausência de uma “luz” para o exterior da cultura oral e que através dela os ditos poucos letrados possam migrar dos seus lugares para outros ainda então desconhecidos; e que através dela possam “iluminar”, evidentemente, não em termos absolutos, o mapa do conhecimento, do lugar e da história alheios, dos bens produzidos por tantas gerações, em tantos lugares distintos e distantes.

A terceira cegueira é atribuída aqui à tentativa de dar sentido ao dito fim da fronteira entre a cultura letrada e a cultura oral, sinalizando o desmonte das dicotomias e das polarizações entre o letramento e a oralidade, por exemplo, muitas vezes sob a proteção de um revestimento meramente estético. Essa operação de desmonte dos pilares sólidos dessas culturas em muito pode estar contribuindo para o surgimento disso que estamos chamando de uma terceira cegueira e que parece ganhar espaço em novos quadros ou paisagens conceituais que estão se formulando na base de explicação de novos trabalhos sobre o letramento situado. Esse componente teórico, a nosso ver, se não resulta de um rigor analítico tão necessário à investigação em linguagem, poderá também se encerrar no mero revestimento estético categorizado pelo pressuposto. Em outros termos, poderá obscurecer ou negligenciar, por exemplo, as interferências mútuas entre as culturas que certamente nem sempre apresentam a mesma configuração, grau de circularidade e traços que se (des) estabilizam entre elas.
A rigor, a mistura cultural e lingüística não lembra, pelo menos em termos absolutos, a diluição de líquidos em um mesmo recipiente, conforme parece sugerir algumas análises mais empolgadas do hibridismo na relação cultura oral e a cultura escrita. Esse tipo de análise especulativa não resolve o problema das duas cegueiras já descritas, não empodera nada, nem ninguém, apenas poderá institucionalizar uma nova, uma terceira cegueira.

[1] Doutor em Lingüística Aplicada, Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Pesquisador do Grupo Letramento do Professor –IEL/Unicamp.
[2] Texto inspirado nos debates ocorridos no IV Seminário do Grupo Letramento do Professor ocorrido em agosto de 2007, no Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/Unicamp. É também inspirado na obra de Boaventura de Sousa Santos sobre a sua “Crítica da razão indolente” (Santos, 2002). Devo adiantar também que são reflexões que compartilho com muitos outros, mas que pretendo levar adiante e até ampliar, sem a necessidade de citações explicitas.

domingo, 21 de outubro de 2007

terça-feira, 25 de setembro de 2007

semiosfera

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